Quando eu era criança, o mes de ``Septiembre'' passou a chamar-se ``Setiembre''. Essa mudança pode parecer menor para um acadêmico, para um professor universitário, noentanto para a criança que eu era constituiu uma crise de grandes dimensões. O porquê daquela importância exagerada não veio de minha preocupação pelas despesas das bibliotecas das escolas para a renovação de seus textos. Ela também não veio de imaginar as corruptelas por trás daquela mudança, nem perdi o sono por ter que modificar não só a grafia de uma palavra familiar mas também a sua pronúncia. Minha crise começou, e ela ainda persiste, quando notei que, embora minha professora escrevesse sempre ``Setiembre'', meus pais continuavam datando seus cheques em ``Septiembre'' e os bancos oficiais não encontravam nenhum problema em aceitá-los. Naquele preciso momento eu comecei a sentir-me imerso em uma esquizofrenia social crônica. Minha curiosidade levou-me a estudar quais ``Septiembres'' eram aceitos: Na prova de língua... nunca. Na prova de ciências sociais... quase nunca. Na prova de matemáticas... quase sempre...
Minha mãe, percebendo meu interesse obsessivo naquela questão, passou a escrever ``Setiembre'', mas já era tarde. Para uma criança, a língua é coisa séria. Mais séria que para um literato ou um acadêmico, sem dúvida, porque na infância a língua e o raciocínio crescem juntos como osso e carne. As crianças adoram as regras e odeiam as exceções, e sobretudo odeiam que as regras sem exceções sejam descumpridas!
Eu não sei como é ensinada a língua portuguesa nas escolas na época atual. Talvez não se fale de regras estritas, talvez a professora não coloque uma nota ruim por escrever ``baptismo'' (de fato, essa grafia é aceita pela Academia Brasileira de Letras!) ou por colocar alguns tremas a mais ou a menos. Se esse for o caso, se a política ortográfica das escolas tornou-se mais flexível nos últimos trinta anos, então o acordo pode resultar bom ou ruim, dependendo de se ele atingir seus objetivos ou não. Porém, se a principal conseqüencia do acordo vai simplesmente ser que as crianças apreendam regras supostamente rígidas que tudo mundo deveria cumprir e ninguém cumpre, então o prejuízio moral vai ser infinitamente maior do que qualquer benefício diplomático, jurídico, ou ambiental.
A modo de posdata talvez devo admitir que ainda escrevo ``Septiembre''... É mais ``chic'', não acha?
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