sábado, 31 de julho de 2010

Folha verde

(explicitamente não dedicado a Macu)

Meio melão, um melão,
um papelão de embalagem,
uma miragem com tuas pernas,
teus quadrís, teu boné,
você devia cantar, tocar músicas,
o banjo, talvez,
fazer hipismo, pintura abstrata, conceptual,
virar crocodilo, caranguejo, fazer jejum
pelos pobres, pelos oprimidos,
ter um filho, ter dois,
escolher as roupinhas deles, sem que sejam as mais caras,
nem do estilo que sua mãe gosta,
ou que sejam,
você devia chorar de impotência,
de fome, de dor,
de raiva contra Deus, que promete e não dá,
devia perder,
perder, perder, e perder ainda,
aprender como é ficar esperando,
antecipando o último lance,
aquele em que sempre se perde e se descobre que todas, cada uma das decisões tomadas até lá foram erradas,
você devia sentir aquilo tanto tempo que chegasse a se acostumar,
a descobrir que não é tão ruim assim, que chegasse a sentir ternura por você própria, chegasse a sentir tristeza por você e visse que a vida não faz sentido,
tango azedo, vinho de pedra, ostra muda,
é igual viver ou morrer,
sentisse pela primera vez aquela filosófica acidez, aquele cansaço,
porquê não morrer agora?
por-quê viver agora?
e sentido aquilo saísse à rua, para dar uma olhada em torno,
procurando uma folha de árvore, meio seca, machucada,
que caiu e vai morrer, mas ainda vive,
ainda vive mas vai morrer,
sem pressa,
e porém, aquela folha viva que vai morrer é como se já estivesse morta,
faz parte das mortas,
é contada entre as mortas,
é levada para a planta de reciclagem no caminhão das folhas mortas.
Ela é a folha mais nova daquela turma,
ela vai apodrecer com elegância...
Mas estávamos falando de você, cansada, vencida, cansada de sentir raiva pela injustiça de a vida ser tão cruel com você,
especialmente com você,
e até pensando que porquê não com você,
afinal...
e assim,
em íntimo contato com aquela triste e matemática verdade,
saísse à rua procurando uma folha que caiu da árvore ainda verde-viva e que vai morrer estando morta,
procurando-a para sentir uma empatia, para solidarizar, para compartilhar um brilho vegetal desamparado,
e que saindo à rua assim não achasse nenhuma daquelas folhas no chão,
e que em um instante de desatino quase cortasse uma de uma das árvores da avenida,
nossa,
que loucura,
quase matasse, condenasse a uma inocente folha a uma lenta morte de morta-viva,
só por ter alguém com quem sentir empatia,
intimidade,
aquele desesperado silêncio que chamamos de amor,
estou romântico hoje,
agora me perdi,
a ideia era que você, naquele estado, com aquela vulnerabilidade que vem da sabedoria,
não achasse folha verde nenhuma no chão, senão que me achasse, a mim, na rua,
uma noite dessas,
dessas nas quais acredito que esse mundo não é para mim,
que só consigo errar,
até quando paro, mostro meu jogo, e peço ajuda desamparado.
Me achasse uma dessas noites e entrecruzasse fibras comigo.

(ps: se Macu perguntar porquê não dedicado a ela, o mundo é cruel demais.)

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