domingo, 9 de março de 2008

Esquadros. Adriana Calcanhoto.

Eu ando pelo mundo prestando atenção em cores que eu não sei o nome. Cores de Almodóvar, cores de Frida Kahlo, cores. Passeio pelo escuro. Eu presto muita atenção no que meu irmão ouve. É como uma segunda pele, um calo, uma casca, uma cápsula protetora. Eu quero chegar antes pra sinalizar o estar de cada coisa, filtrar seus graus.

Eu ando pelo mundo divertindo gente, chorando ao telefone, e vendo doer a fome nos meninos que têm fome.

Pela janela do quarto, pela janela do carro, pela tela, pela janela (quem é ela, quem é ela?), eu vejo tudo enquadrado. Remoto controle.

Eu ando pelo mundo e os automóveis correm para quê? As crianças correm para onde? Transito entre dois lados de um lado. Eu gosto de opostos. Exponho o meu modo, me mostro. Eu canto para quem?

Pela janela do quarto pela janela do carro pela tela pela janela quem é ela quem é ela? Eu vejo tudo enquadrado. Remoto controle.

Eu ando pelo mundo e meus amigos, cadê? Minha alegria, meu cansaço? Meu amor, cadê você?

Eu acordei. Não tem ninguém ao lado.

Pela janela do quarto, pela janela do carro, pela tela, pela janela (quem é ela, quem é ela?) eu vejo tudo enquadrado. Remoto controle.

domingo, 2 de março de 2008

Citas III

Na volta, em hora que ele estava mais tristonho e infeliz, foi-se lembrando de uma daquelas coisas que às vezes o Dito falava: "-- Os outros têm uma espécie de cachorro farejador, dentro de cada um, eles mesmos não sabem. Isso feito um cachorro, que eles têm dentro deles, é que fareja, todo o tempo, se a gente por dentro da gente está mole, está sujo ou está ruim, ou errado... As pessôas, mesmas, não sabem. Mas, então, elas ficam assim com uma precisão de judiar com a gente..." "-- Mas, então, Dito, a gente mesmo é que tem culpa de tudo, de tudo que padece?!" "-- É."
João Guimarães Rosa. Manuelzão e Miguilim.

Deus, disse eu, estou com vinte e três anos. Quero agir da melhor maneira. Agora o médico está prestes a tornar Brenda minha esposa, e não tenho certeza absoluta de que isso é a melhor solução. O que é que eu amo, Senhor? Por que foi que escolhi? Quem é Brenda? O mundo é dos espertos. Será que eu devia ter parado para pensar?
Philip Roth. Adeus, Columbus.

domingo, 18 de novembro de 2007

Pena

Era tan fácil, o parecía serlo,
Quererle parecía tan fácil,
Él se acomodaba a casi todo, era optimista,
Apenas necesitaba ser único, tener algo especial,
Algún detalle único al menos.
No necesitabas volverte perfecta e inimitable,
Él tampoco era perfecto e inimitable,
Era común o peor que común en tantas cosas,
Pero desde niño sintió la obligación de ser único,
Con las derrotas se fue fatigando,
Al final con ser único en algún detalle le alcanzaba
Para sentir que no había perdido en todo.
Claro que nadie te obligaba,
Tenías derecho a ser común en todo lo que quisieras,
Pero también podías no serlo,
También podías conservar algún detalle único de los del principio,
O inventar otros detalles perfectos,
Que lo hicieran sentir que no había perdido en todo,
Darle cada día un instante que compensara las derrotas.
Nada te obligaba, es cierto,
Él necesitaba eso por su propia neurosis o inmadurez o cobardía,
Y aunque lo pedía parecía no pedirlo.
En fin,
No estabas obligada y tenías mil excusas para quitarle cada detalle perfecto,
Para volverte más común cada día, ya que la vida común es mejor, tan reposada,
Y exigirle también que fuera común él, como toda mujer común exige,
Exigirle que fuera como mínimo común, en todo, de común para arriba.
Una mujer común tiene derecho a un marido común, nada de cosas raras,
Nada de fiestas, nada de crisis, nada de excepciones o debilidades,
Nada de días únicos ni cualidades inexplicables ni transgresiones,
Nada de pecados sin penitencia ni de sinceridad sin sarcasmo,
Una buena vida común, que te permitiera relajarte en un rol común.
Era tu derecho, como dicen las revistas,
No tenías por qué renunciar a exigirle A, B y C, cosas simples y comunes,
Ni por qué renunciar a hacer X, Y o Z, como toda mujer común hace.
Es que no es cuestión de derechos,
Esos no te los quita nadie,
Sólo me da pena, porque, al mismo tiempo,
Da la sensación de que era tan fácil,
Quererle parecía tan fácil,
Se acomodaba casi a todo, daba la impresión,
Estaba dispuesto a perder casi en todo,
Sólo quería ganar en algo,
En algún detalle único,
Porque de chico se lo prometió a sí mismo, quizás,
O porque era neurótico e inmaduro,
Era cuestión de dejarlo ganar en algo, de hacerlo sentir único,
De darle algún motivo para alguna sonrisa secreta en el momento de la frustración.
Era cuestión, me parece, de quererlo así,
Con esa necesidad a la cual no tenía derecho,
Y que vista de lejos parece fácil pero tal vez te resultaba imposible,
O tal vez simplemente no lo querías, que claro es tu derecho,
Aunque fuera fácil, bien podías no quererlo, nada te obligaba,
Era peor que común en tantas cosas, y encima quería ser único en algo,
No tenía ese derecho,
Por eso digo que criticar, lo que se dice criticar en negro y blanco,
Eso no cabe, no me surge.

domingo, 14 de outubro de 2007

Citas II: Machado de Assís

El oficio depurado y la cultura impecable que aparecen en la obra de Machado de Assís, así como en la de Borges, son como el músculo explosivo y los pulmones inagotables del deportista genial: Sirven para apartar prolijamente las dificultades técnicas y permitirnos admirar la inteligencia humana en su forma más pura.

``A minha alegria quando ele nasceu não sei dizê-la; nunca a tive igual, nem creio que a possa haver idêntica, ou que de longe ou de perto se pareça com ela. Foi uma vertigem e uma loucura. Não cantava na rua por natural vergonha, nem em casa para não afligir Capitu convalescente. Também não caía, porque há um deus para os pais novos. Fora, vivia com o espírito no menino; em casa, com os olhos, a observá-lo, mirá-lo, a perguntar-lhe donde vinha, e por que é que eu estava tão inteiramente nele, e várias outras tolices sem palavras, mas pensadas ou deliradas a cada instante. Talvez perdi algumas causas no foro por descuido.''

``Príamo julga-se o mais infeliz dos homens, por beijar a mão daquele que lhe matou o filho. Homero é que relata isto, e é um bom autor, não obstante contá-lo em verso, mas há narrações exatas em verso, e até mau verso. Compara tu a situação de Príamo com a minha; eu acabava de louvar as virtudes do homem que recebera, defunto, aqueles olhos... É impossível que algum Homero não tirasse da minha situação muito melhor efeito, ou quando menos igual. Nem digas que nos faltam Homeros, pela causa apontada em Camões; não, senhor, faltam-nos, é certo, mas é porque os Príamos procuram a sombra e o silêncio. As lágrimas, se as têm, são enxugadas atrás da porta, para que as caras apareçam limpas e serenas, os discursos são antes de alegria que de melancolia, e tudo passa como se Aquiles não matasse Heitor.''

Português: Sobre o acordo ortográfico da língua portuguesa

Quando eu era criança, o mes de ``Septiembre'' passou a chamar-se ``Setiembre''. Essa mudança pode parecer menor para um acadêmico, para um professor universitário, noentanto para a criança que eu era constituiu uma crise de grandes dimensões. O porquê daquela importância exagerada não veio de minha preocupação pelas despesas das bibliotecas das escolas para a renovação de seus textos. Ela também não veio de imaginar as corruptelas por trás daquela mudança, nem perdi o sono por ter que modificar não só a grafia de uma palavra familiar mas também a sua pronúncia. Minha crise começou, e ela ainda persiste, quando notei que, embora minha professora escrevesse sempre ``Setiembre'', meus pais continuavam datando seus cheques em ``Septiembre'' e os bancos oficiais não encontravam nenhum problema em aceitá-los. Naquele preciso momento eu comecei a sentir-me imerso em uma esquizofrenia social crônica. Minha curiosidade levou-me a estudar quais ``Septiembres'' eram aceitos: Na prova de língua... nunca. Na prova de ciências sociais... quase nunca. Na prova de matemáticas... quase sempre...

Minha mãe, percebendo meu interesse obsessivo naquela questão, passou a escrever ``Setiembre'', mas já era tarde. Para uma criança, a língua é coisa séria. Mais séria que para um literato ou um acadêmico, sem dúvida, porque na infância a língua e o raciocínio crescem juntos como osso e carne. As crianças adoram as regras e odeiam as exceções, e sobretudo odeiam que as regras sem exceções sejam descumpridas!

Eu não sei como é ensinada a língua portuguesa nas escolas na época atual. Talvez não se fale de regras estritas, talvez a professora não coloque uma nota ruim por escrever ``baptismo'' (de fato, essa grafia é aceita pela Academia Brasileira de Letras!) ou por colocar alguns tremas a mais ou a menos. Se esse for o caso, se a política ortográfica das escolas tornou-se mais flexível nos últimos trinta anos, então o acordo pode resultar bom ou ruim, dependendo de se ele atingir seus objetivos ou não. Porém, se a principal conseqüencia do acordo vai simplesmente ser que as crianças apreendam regras supostamente rígidas que tudo mundo deveria cumprir e ninguém cumpre, então o prejuízio moral vai ser infinitamente maior do que qualquer benefício diplomático, jurídico, ou ambiental.

A modo de posdata talvez devo admitir que ainda escrevo ``Septiembre''... É mais ``chic'', não acha?